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sábado, 29 de agosto de 2015

O Cãozinho Fritz

Algo dói dentro de mim. Pareço um saco quase vazio, alguns ossos tremendo debaixo da pele de pêlos negros. Minhas pernas não conseguem mais me arrastar para lugar algum. Todos passam a mão em minha cabeça e eu, com dificuldade de coordenar os movimentos, abano a cauda. Carinhos me agradam, mas estou com fome.
Deito-me diante de um bar onde todos me olham com carinho (piedade, até). Sem forças, sorrio de minha maneira peculiar.
Um sujeito de óculos vai até sua carruagem sem cavalos e me traz um monte de bolinhas estranhas – nunca tinha visto. Cheiro e sinto que é alimento. A princípio, como devagar, desconfiado, pois não estou acostumado com comida de cachorro chique.  Ah! Deus! A vida parece voltar a cada bocada.
Resolvo agradecer a comida com minha presença. Já me sinto bem melhor e fico observando meu benfeitor: parece meio tonto e não para de me elogiar. Eu quase acredito que sou um dogue alemão, de tanto que ele fala - mas sei que sou só um vira-latas. Seus comentários quanto ao meu porte físico são, no mínimo engraçados.
Outro sujeito, parecendo nórdico, me acaricia. Sinto sinceridade quando diz que não me adota por já ter muitos cães. Eu o entendo; devemos dar mesmo muita despesa.
Ai surge o poeta. Não gosta muito dos da minha espécie, posso notar. Não nos odeia, mas poetas são assim: não conseguem manter relacionamentos por muito temp. E ele detestaria abandonar-me, como alguém já fez, um dia. Ele arruma um nome que todos parecem gostar: Fritz. Tem algo a ver com a cor negra de meu pêlo, acho. Parece divertido.
Então, detrás do balcão, eu o vejo. Sua figura brilha e o ar ao seu redor transpira a sabedoria que apenas anos de magia podem construir. Ele me traz um pedaço de alimento quentinho. Com cuidado para não parecer sem modos, eu o abocanho, devagar. Está uma delícia.
Satisfeito, cruzo as patas e repouso minha cabeça, cansada de tantas emoções boas. Observo os homens bebendo e sorrio levemente – já não é tão difícil balançar a cauda.
Mais adiante, percebo o homem sábio atrás do balcão olhar para mim.
Eu suspiro e oro para... Não! É pedir demais. Já me deram comida, carinho: mais do que eu recebi em meses. Não tenho direito de pedir mais nada. Daqui a pouco, eles vão para as suas casas e eu vou perambular por ai.
Enfim, o bar cerra as portas. Com uma lágrima presa no soluço contido com dificuldade, preparo-me para ir embora.
Eis que ouço um assobio. O Vavá (aprendi seu nome) abre o portão e, carinhosamente, pergunta se quero entrar.
Eu fico feliz e pulo.  Grito como vou ser fiel, como vou cuidar dele e dos seus. Como ele nunca vai se arrepender de me dar moradia. Como eu morderei qualquer um que fale alto com ele.
No novo lar, quase morro de felicidade. Mau mestre vai dormir. No silêncio, estou alerta! Vou cumprir minha promessa. Eu o protegerei com a minha vida, se for preciso. Afinal, eu não tinha mais vida quando fui adotado.
A noite se aprofunda e o silêncio envolve a cidade. Olho para o céu estrelado e suspiro intensamente. A lágrima presa solta-se, devagar e feliz.
Meu Deus! Estou salvo.


                                                        Wilson Roberto C. Almeida

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