Algo dói
dentro de mim. Pareço um saco quase vazio, alguns ossos tremendo debaixo da
pele de pêlos negros. Minhas pernas não conseguem mais me arrastar para lugar
algum. Todos passam a mão em minha cabeça e eu, com dificuldade de coordenar os
movimentos, abano a cauda. Carinhos me agradam, mas estou com fome.
Deito-me
diante de um bar onde todos me olham com carinho (piedade, até). Sem forças,
sorrio de minha maneira peculiar.
Um sujeito de
óculos vai até sua carruagem sem cavalos e me traz um monte de bolinhas
estranhas – nunca tinha visto. Cheiro e sinto que é alimento. A princípio, como
devagar, desconfiado, pois não estou acostumado com comida de cachorro
chique. Ah! Deus! A vida parece voltar a
cada bocada.
Resolvo
agradecer a comida com minha presença. Já me sinto bem melhor e fico observando
meu benfeitor: parece meio tonto e não para de me elogiar. Eu quase acredito
que sou um dogue alemão, de tanto que ele fala - mas sei que sou só um
vira-latas. Seus comentários quanto ao meu porte físico são, no mínimo
engraçados.
Outro
sujeito, parecendo nórdico, me acaricia. Sinto sinceridade quando diz que não
me adota por já ter muitos cães. Eu o entendo; devemos dar mesmo muita despesa.
Ai surge o
poeta. Não gosta muito dos da minha espécie, posso notar. Não nos odeia, mas
poetas são assim: não conseguem manter relacionamentos por muito temp. E ele
detestaria abandonar-me, como alguém já fez, um dia. Ele arruma um nome que
todos parecem gostar: Fritz. Tem algo a ver com a cor negra de meu pêlo, acho.
Parece divertido.
Então, detrás
do balcão, eu o vejo. Sua figura brilha e o ar ao seu redor transpira a
sabedoria que apenas anos de magia podem construir. Ele me traz um pedaço de
alimento quentinho. Com cuidado para não parecer sem modos, eu o abocanho,
devagar. Está uma delícia.
Satisfeito,
cruzo as patas e repouso minha cabeça, cansada de tantas emoções boas. Observo
os homens bebendo e sorrio levemente – já não é tão difícil balançar a cauda.
Mais adiante,
percebo o homem sábio atrás do balcão olhar para mim.
Eu suspiro e
oro para... Não! É pedir demais. Já me deram comida, carinho: mais do que eu
recebi em meses. Não tenho direito de pedir mais nada. Daqui a pouco, eles vão
para as suas casas e eu vou perambular por ai.
Enfim, o bar
cerra as portas. Com uma lágrima presa no soluço contido com dificuldade,
preparo-me para ir embora.
Eis que ouço
um assobio. O Vavá (aprendi seu nome) abre o portão e, carinhosamente, pergunta
se quero entrar.
Eu fico feliz
e pulo. Grito como vou ser fiel, como
vou cuidar dele e dos seus. Como ele nunca vai se arrepender de me dar moradia.
Como eu morderei qualquer um que fale alto com ele.
No novo lar,
quase morro de felicidade. Mau mestre vai dormir. No silêncio, estou alerta!
Vou cumprir minha promessa. Eu o protegerei com a minha vida, se for preciso.
Afinal, eu não tinha mais vida quando fui adotado.
A noite se
aprofunda e o silêncio envolve a cidade. Olho para o céu estrelado e suspiro
intensamente. A lágrima presa solta-se, devagar e feliz.
Meu Deus! Estou
salvo.
Wilson Roberto C. Almeida
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